Relato: Ana Caren Machado Saravia e Daniele Furtado Rodales (2016/2017) Orientadora: Profa. Dra. Cátia Dias Goulart
O Estágio curricular III do curso de Letras – Português/Espanhol
objetiva proporcionar ao graduando a vivência da prática docente na escola, bem
como possibilitar a reflexão sobre as teorias estudadas ao decorrer da
graduação, de maneira que essas respaldem o fazer prático do licenciado no
ensino de língua e/ou literatura. Considero o estágio de docência um momento
importante na formação do graduando, portanto, estar em contato direto com os
alunos e, de certa forma, inserido no sistema escolar, que ainda hoje se mostra
bastante tradicional e limitador, traz à luz a realidade com a qual nós,
futuros professores, precisaremos lidar.
As práticas desse estágio foram desenvolvidas em dupla como uma ação
dentro do projeto de extensão “Experiências de Leitura, a formação do Leitor”,
o qual objetiva propiciar o contato do estudante com a leitura, desenvolvendo
tanto a competência leitora como também a formação do gosto do leitor pela
leitura.
A prática foi desenvolvida na Escola Municipal de educação Básica Lauro Ribeiro,
situada na Granja Bretanhas, zona rural pertencente ao município de
Jaguarão/RS. O estágio contou com uma carga horária de 40 horas, em turno
inverso ao horário de aulas dos alunos envolvidos. As atividades foram
desenvolvidas com um grupo multisseriado de alunos, do quinto ao nono ano, com
faixa etária entre 10 e 14 anos.
Antes de decidir estagiar vinculada ao projeto, e em dupla, já havia
optado por trabalhar com o ensino de Literatura. Essa escolha deu-se não só por
experiências já vivenciadas em sala de aula, como professora, mas também por
experiências pessoais com a Literatura e minha formação leitora. O texto
literário não esteve sempre presente em minha vida, mas desde o ensino
fundamental se insinuava entre as prateleiras das bibliotecas. Raras vezes tive
contato com livros literários em casa, lembro-me apenas de alguns textos
condensados de clássicos da literatura infantil. Na escola não era muito
diferente, uma vez que os professores trabalhavam basicamente com livros
didáticos e quando não, vivenciava-se aquela velha história comentada e
criticada nas licenciaturas em Letras: o texto literário era usado como
pretexto para trabalhar gramática, e, geralmente, ao final de uma breve leitura
vinha a pergunta “interpretativa”: O que o autor quis dizer? Não demorou muito
para que eu percebesse que a Literatura era mais que esse lago raso que me fora
apresentado. Em um determinado momento fui convidada a adentrar em um mundo
paralelo ao meu, por um livro com um pirata na capa: A ilha do tesouro, do escritor escocês Robert Louis Stevenson. O
mundo dos livros continuou paralelo ao meu por alguns anos, e mesmo imergindo
em leituras que considerava interessantes, inúmeras vezes me deparei com a
sensação de distanciamento entre mim e o texto literário. Olhar para o que nos
cerca e ressignificar a partir da Literatura leva tempo, especialmente quando
não há quem fomente a competência leitora, quem auxilie na formação do gosto e
nos apresente com menos formalidade ao texto literário.
Já na graduação, meu papel de leitora frente ao texto começou a se
desvelar. À medida que eu permitia a ressignificação do meu olhar sobre o mundo
a partir de um texto lido, os mundos literários, antes paralelos ao meu,
encontravam-se, fundiam-se. Minha formação leitora foi, e continuará sendo, um
longo processo de construção-desconstrução-reconstrução. O texto literário,
hoje um pouco mais íntimo, é responsável por me arrancar da zona de conforto e
me lançar em mares revoltos nos quais eu, na inocência de leitora de A Ilha do tesouro, jamais pensei em
navegar. Era um pouco dessa sensação que eu gostaria de fomentar em outras
pessoas que, talvez assim como eu no ensino fundamental, estivessem em um navio
sem bússola.
Ao contrário de alguns graduandos, que têm a primeira prática docente no
momento do Estágio III, essa não foi minha primeira experiência prática em sala
de aula, como também não foi esta minha primeira atuação no projeto
“Experiências de leitura, a formação do leitor”. No terceiro semestre do curso,
participei como voluntária do projeto em uma escola do município de
Jaguarão/RS. Há três anos sou bolsista do PIBID (Programa Institucional de
Bolsa de Iniciação à Docência), o qual prevê em suas ações mais de um bolsista
atuando juntos em sala de aula. Participo do projeto juntamente a uma colega
que, não coincidentemente, foi minha dupla no desenvolvimento desse estágio. É
um desafio trabalhar 40 horas com o ensino de Literatura nas práticas de
estágio, sendo que em grande parte das escolas se dá apenas um período de 50 minutos
de Literatura por semana e a disciplina só é trabalhada a partir do Ensino
Médio. Pensando nisso, a possibilidade de desenvolver o estágio como uma ação
no projeto pareceu uma boa oportunidade, bem como a possibilidade de atuar em
dupla. Planejar o estágio em dupla implica um mínimo de sintonia de pensamento
entre as partes envolvidas. O trabalho que desenvolvo com Ana Caren Machado,
minha dupla, no PIBID tem nos rendido bons frutos, e não por planejarmos
atividades que sempre funcionam, mas justamente por conseguirmos refletir sobre
os erros vivenciados nas práticas e sobre o desafio encontrado no cotidiano das
escolas.
Optamos por estagiar em uma escola rural a fim de mudar o espaço urbano
no qual vínhamos trabalhando. Para o planejamento de um plano de ensino que
permitisse uma primeira proposta de curso, partimos, primeiramente, das
leituras que fundamentam o projeto, em seguida, de um questionário aplicado aos
alunos, já que julgamos importante considerar os interesses e/ou conhecimento
dos mesmos. Assim, decidimos trabalhar com textos multimodais, ou seja, textos
compostos por diversos elementos, não sendo somente de natureza verbal. Para
isso elegemos textos artísticos, com os quais nós também nos identificávamos, e
temáticas diversas para cada encontro.
Como nos parece impossível eleger apenas uma metodologia de ensino,
devido à diversidade de linguagens e temáticas dos textos escolhidos,
planejamos as aulas pensando em algumas metodologias apresentadas a nós ao
decorrer do curso, como a Teoria da Interpretação, desenvolvida por Paul
Ricouer; a proposta acerca do papel do leitor frente a um texto literário, por
Umberto Eco, Estratégias de Leitura, abordadas por Isabel Solé; de Letramento
Literário, proposto por Rildo Cosson, assim como de reflexões de Marisa Lajolo,
Maria do
Rosário Magnani que situam a realidade do ensino de literatura nas escolas
brasileiras. Teóricos e críticos que citados ao decorrer deste relatório foram
também utilizados na preparação do plano de ensino e das aulas.
Não tivemos a intenção de utilizar as metodologias como pontes seguras,
uma vez que pretendíamos ter liberdade para transitar entre elas e, quem sabe,
construir nossos próprios métodos. Uma vez aprovado o plano de ensino pela
orientadora de estágio, começamos a fazer as escolhas dos materiais a serem
trabalhados, bem como preparar os planos de aula, o que foi desafiador por
contarmos com um grupo multisseriado de alunos, em fases diferentes da vida,
tanto escolar como pessoal.
A ideia do trabalho em dupla buscou justamente mostrar ao grupo pelo
menos duas maneiras distintas de olhar para um mesmo texto, a fim de que cada
aluno sentisse a liberdade para ler e interpretar a partir de suas ideias e
lugar no mundo, bem como aprendessem a olhar para o texto pensando em seu
contexto histórico de produção, movimentando, assim, a capacidade crítica e o
papel do leitor frente ao texto.
Daniele
Rodales
(O presente relato
integra o Relatório de Estágio produzido pela autora, apresentado ao curso de
Letras, Português e Espanhol da Universidade Federal do Pampa, Campus Jaguarão,
em oportunidade do componente curricular Estágio Curricular III (estágio de
docência em ensino de língua portuguesa e literatura. Direitos de reprodução
cedidos pela autora)
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