Relato: Virgínia Barbosa Lucena Caetano (2015) Orientador: Prof. Dr. Gustavo Henrique Rüquert
O terceiro estágio
curricular supervisionado objetiva proporcionar ao licenciando a oportunidade
de vivenciar a prática docente no ensino de língua e/ou literatura e refletir
sobre o processo de transposição didática das teorias estudadas ao longo da graduação.
Compreendo que esse estágio é de extrema importância para o desenvolvimento
profissional dos alunos de licenciatura, pois, em muitos casos, é o primeiro
momento em que os acadêmicos têm a oportunidade de vivenciar a prática docente
em ambiente escolar.
Planejei e desenvolvi as
práticas desse estágio na modalidade projeto de Extensão, filiadas ao projeto
institucional do curso de Licenciatura em Letras, “Experiência de
Leitura/Escrita: Formação de Leitores/Escritores” que objetiva promover o
desenvolvimento das competências de leitura e escrita em alunos da educação
básica, por meio de atividades que envolvam diferentes práticas discursivas e a
produção de gêneros do discurso que transitem em diferentes meios sociais.
As atividades foram
aplicadas no espaço do Projeto Mais Educação, da Escola Municipal de Ensino
Fundamental Dr. Fernando Correa Ribas, situada em um bairro periférico do
município de Jaguarão. O projeto atende a um grupo de aproximadamente 50
alunos, em dois turnos, diurno e vespertino. Os alunos frequentam o projeto no
contraturno das aulas curriculares da escola. O projeto oferece quatro
oficinas: Capoeira, Banda, Futsal e Leitura e Orientação de Estudos. Cada
oficina tem a duração de 1h. 30 min. e é oferecida duas vezes na semana. A equipe
responsável pelo andamento do projeto conta com uma coordenadora, quatro
oficineiros e uma zeladora que é responsável pela manutenção do espaço e pelas
duas refeições oferecidas aos alunos diariamente. As atividades aqui relatadas
foram desenvolvidas no espaço da oficina de Leitura e Orientação de Estudos,
com um grupo multisseriado de alunos, do sexto ao oitavo ano, com faixa etária
entre 11 e 14 anos.
Como já foi relatado
anteriormente, meu estágio ocorreu no espaço ofertado pelo Programa Mais Educação.
Entendi que seria importante inserir um capítulo no relatório que tratasse de
questões mais específicas sobre o Programa, por dois motivos. Primeiro, porque
a proposta do projeto torna diferente a organização das aulas, do espaço, da
escolha das metodologias de ensino e compreendo que é preciso conhecer a
proposta do programa para que fiquem mais claros os motivos que me levaram a
organizar as aulas de determinada maneira, assim como, conhecer alguns aspectos
que influenciaram positiva e negativamente o andamento das atividades
propostas. Segundo, porque o Programa Mais Educação tem funcionado como um
espaço alternativo para a realização dos estágios de docência, e por essa ser
uma proposta ainda recente, há muitas discussões sobre esse espaço ser adequado
ou não a realização dos estágios. Reconheço, portanto, que é de suma
importância refletir sobre os prós e contras das práticas docentes nesse
contexto, a partir da minha experiência, para assim trazer informações reais
que possam alimentar essas discussões, e também, contribuir, criticamente, com
colegas que futuramente possam buscar o espaço ofertado pelo Programa para
realizar seu estágio.
O Programa Mais Educação
foi criado em 2008 e integra as ações do Plano de Desenvolvimento Educacional
(PDE). Configurando-se como uma estratégia do Governo Federal para ampliar a
jornada escolar, na perspectiva da Educação Integral. A proposta do projeto é
ampliar o tempo, os espaços e as oportunidades educativas, compartilhando a
tarefa de promover o ensino/aprendizagem com profissionais de várias áreas, a
família e diferentes atores sociais, sob a coordenação da escola. Esse Programa
é operacionalizado pela Secretaria de Educação Básica (SEB), por meio do
Programa Dinheiro Direto na Escola (PDDE) do Fundo Nacional de Desenvolvimento
da Educação (FNDE), e destinado às escolas públicas do Ensino Fundamental.
As atividades fomentadas
pelo Programa são dividas em sete macrocampos: Acompanhamento Pedagógico;
Educação Ambiental, Desenvolvimento Sustentável e Economia Criativa; Esporte e
Lazer; Cultura, Artes e Educação Patrimonial e Comunicação; Uso de Mídias e
Cultura Digital; Educação em Direitos Humanos; Promoção da Saúde. As escolas
que adotam o Programa devem escolher quatro atividades dentre os sete
macrocampos oferecidos, sendo a atividade “Leitura e Orientação de Estudos”, do
macrocampo Acompanhamento Pedagógico, obrigatória. É aconselhado que as
atividades trabalhadas dentro do projeto sejam realizadas de maneira
interdisciplinar e considerando o contexto social dos alunos.
Quanto à formação dos
profissionais responsáveis pelo desenvolvimento das atividades dentro do
Programa, a proposta é abrir espaço para o trabalho de profissionais da
educação, educadores populares, agentes culturais e estudantes universitários em
processo de formação específica em algum dos macrocampos. Também poderão ser
selecionados como monitores pessoas da comunidade que possuam habilidades
apropriadas para o desenvolvimento de uma oficina específica e estudantes de
EJA ou Ensino Médio maiores de 16 anos.
As atividades de orientação de estudos e leitura devem ser mediadas,
preferencialmente, por um estudante de graduação ou das Licenciaturas vinculado
ao PIBID (Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência), ou
estudantes de graduação com estágio supervisionado.
O projeto oferta quatro
oficinas, sendo estas: Leitura e orientação de estudos, Capoeira, Futsal e
Banda. As oficinas são distribuídas em quatro dias da semana e em cada dia os
alunos participam de duas oficinas. Os responsáveis pela aplicação das oficinas
são monitores contratados pela escola, dentro do enquadramento de
“voluntários”, previstos pelo edital do projeto e recebem um auxilio financeiro
por cada turma monitorada. Todos eles
monitoram quatro turmas. No período da manhã, alunos de primeiro ao quinto ano
e no período da tarde, alunos de sexto a nono ano. Todos os alunos inscritos no
projeto participam regularmente das aulas no turno estipulado pela escola e
participam das oficinas no contraturno.
A organização das turmas
no projeto é distinta da organização padrão por ano que ocorre nas aulas
regulares. Nas oficinas, os alunos são agrupados em turmas multisseriadas, um
dos critérios para divisão das turmas é a idade dos alunos. As turmas são
classificadas como: “os menores” e “os maiores”. Contudo, esse critério não é
muito rígido e bem estabelecido, na realidade, os alunos transitam entre as
duas turmas.
A oficina de Leitura e
Orientação de Estudos, espaço cedido para meu estágio, é a flexível no que se
refere à divisão dos alunos em turmas. Essa oficina é ofertada duas vezes na
semana. Na terça-feira, a tarde é dividida com a oficina de Capoeira. Os alunos
são organizados em duas turmas obedecendo ao critério de idade e as duas turmas
participam das duas oficinas, intercalando os horários. Na quarta-feira, a
tarde é dividida com a oficina de Banda. Nesse dia, os alunos são agrupados em
duas turmas, mas seguindo um critério diferente: os alunos que fazem parte da
banda em uma turma e os que não fazem parte da banda em outra. O horário das
oficinas, nesse dia, também é organizado de forma diferente. Os alunos que não
fazem parte da banda participam da oficina de Leitura toda a tarde e os que
participam da banda fazem duas horas dessa oficina e uma hora da oficina de Leitura.
Pelo fato da organização das turmas serem diferentes nos dois dias optei por
ministrar minhas aulas apenas nas terças-feiras.
É notável, a partir
dessas informações, que a oficina de Leitura é completamente marginalizada. Não
há um espaço fixo para as aulas ocorrerem, fica sempre dependente da
organização das outras oficinas. Não há um investimento em materiais para a
oficina de leitura. Enquanto as outras oficinas receberam diversos materiais
como instrumentos musicais, uniformes, equipamentos esportivos, etc., a oficina
de leitura utiliza apenas materiais que a escola já disponibilizava e sequer há
uma cota para impressão de textos que serão trabalhados com os alunos, ou
qualquer proposta de compra de livros e outros materiais.
Devido ao fato de todas
as outras oficinas do Mais Educação terem um caráter recreativo, enquanto a
oficina de Leitura é a única que não trabalha com o corpo e acrescenta alguns
aspectos teóricos às atividades lúdicas. Uma das exigências da escola, quando
apresentei a proposta de estágio, era que eu evitasse levar muitos textos
verbais para os alunos, alegando que o caráter das oficinas deveria ser
“lúdico”. Poderia entrar em uma grande discussão sobre o conceito de “lúdico”,
já que, pela minha compreensão, a leitura, especialmente de textos literários,
já é lúdica por natureza. Mas quando comecei a aplicar as oficinas, compreendi
o que a coordenadora queria dizer com “lúdico”. Realmente, o espaço da oficina
de Leitura no projeto não é o mais adequado para promover atividades com uma
metodologia mais formal, com leituras muito longas, silenciosas, sem a
utilização de recursos. Já que os alunos possuem um imaginário de leitura como
algo chato e maçante e o contraste da oficina de leitura com as outras oficinas
recreativas colaboram para manutenção desse imaginário. Compreendi, então, que
eu precisaria propor um trabalho que ampliasse o conceito de leitura dos alunos
e envolve atividades práticas, nas quais eles pudessem usar o corpo como objeto
de expressão e construção de discurso.
Há outros aspectos
relativos à organização do projeto que diferenciam as aulas planejadas para
esse contexto, de aulas planejadas dentro de uma disciplina regular do
currículo escolar. No projeto não há uma lista de conteúdos pré-estipulados
pela escola com base nos documentos federais, estaduais e municipais. Cada
oficineiro organiza suas oficinas como compreende necessário. O fato das turmas
serem multisseriadas e não haver uma divisão bem organizada dos alunos também
dificulta o planejamento, pois este deverá contemplar alunos com conhecimentos
e dificuldades diferentes. Outro aspecto problemático é o fato de não haver um
controle muito rígido de frequência e por não ser uma atividade obrigatória, há
um número muito grande de evasão no projeto, especialmente, quando o final do
bimestre se aproxima e os alunos estão mais atarefados com trabalhos e provas
para estudar. Por isso, é necessário pensar atividades que possam ser aplicadas
no tempo previsto da oficina. Numa aula formal é normal um plano render mais de
uma aula. No formato de projeto de extensão, isso é inviável, pois não há
garantia que os mesmos alunos participem da próxima oficina para dar
continuidade à atividade.
Destacadas dificuldades
em fazer o estágio no Programa Mais Educação, agora gostaria de elencar os
aspectos positivos de trabalhar nesse contexto. Por não haver uma formalidade
de conteúdos a ser trabalhados, o estagiário tem liberdade para escolher temáticas,
conteúdos e construir sua metodologia de maneira mais livre. O tempo de aula
também ajuda, as oficinas tem a duração de 1h. e 30 min., sem intervalo e sem
necessidade de perder tempo com formalidades como fazer a chamada, por exemplo.
Isso possibilita ao estagiário planejar atividades que demandem mais tempo,
como produções textuais mais elaboradas, também torna possível assistir filmes
ou ler textos mais longos, o que normalmente é limitado pelo tempo de aula
dentro das disciplinas formais na escola. Além do fato do próprio projeto
prover os recursos audiovisuais necessários, como equipamento de som e
projetor. Recursos que normalmente é preciso agendar na escola e nem sempre
está disponível para uso nas aulas.
Em suma, acredito que
ficou claro que há aspectos positivos e negativos em aplicar atividades dentro
do Programa Mais Educação, e principalmente, que há uma diferença muito grande
entre as atividades planejadas para oficinas no projeto de extensão e para
aulas regulares das disciplinas do currículo escolar. Acredito que esse espaço
seja sim viável para o exercício das práticas de estágio e mais do que isso,
acredito que os alunos precisam que essas oficinas sejam ministradas por
profissionais da área de Letras. O imaginário de leitura tanto das escolas,
quanto dos alunos, está muito equivocado e não colabora para que esses sujeitos
se interessem pelas práticas de leitura. Nesse sentido, acredito que a
Universidade tem muito a colaborar, assumindo esses espaços para promover
trabalhos que mobilizem os alunos de forma positiva em relação à leitura e que
possam ampliar os conceitos de “texto” e “leitura” já trabalhados na escola.
Virgínia Caetano
(O presente relato
integra o Relatório de Estágio produzido pela autora, apresentado ao curso de
Letras, Português e Espanhol da Universidade Federal do Pampa, Campus Jaguarão,
em oportunidade do componente curricular Estágio Curricular III (estágio de
docência em ensino de língua portuguesa e literatura. Direitos de reprodução
cedidos pela autora)
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